Campanha Janeiro Marrom
Campanha Janeiro Marrom alerta sobre a mineração
O Janeiro Marrom foi inspirado nas campanhas de conscientização de saúde já existentes, como o Outubro Rosa e o Novembro Azul. A iniciativa surgiu para marcar o primeiro ano do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro de 2019, que matou 272 pessoas e provocou graves impactos socioambientais. A campanha objetiva reforçar, sempre no mês de janeiro, o alerta sobre os impactos, ameaças e violações da mineração e não deixar que seja esquecido o crime da Vale em Brumadinho, no estado de Minas Gerais, Brasil. A cor marrom se refere à lama de rejeitos tóxicos que, além de Brumadinho, destruiu também Bento Rodrigues em 2015, em Mariana, também em Minas Gerais, dentre outros casos, e continua colocando em risco comunidades, paisagens e águas, em vários pontos de Minas, do Brasil e do mundo.
O que será feito durante a campanha
O Janeiro Marrom acontece principalmente por meio das redes sociais a partir da adesão de organizações, movimentos e pessoas que se unem em um coletivo para abraçar a campanha e divulgar o tema. Durante todo o mês de janeiro será divulgado material que reúne dados, informações, esclarecimentos e reflexões relevantes sobre a mineração e seus impactos sobre as comunidades e sobre os ambientes e como o Estado tem sido omisso ou conivente. O foco também é debater a forma como a mineração constrói estratégias para inviabilizar, nos territórios, diversas alternativas econômicas, entre outras questões que geralmente não são informadas pelas empresas de mineração, pelo Estado e pelas corporações aliadas deste setor econômico. A campanha também irá dar visibilidade a atos, eventos e manifestações relacionados com o marco de um ano do rompimento em respeito às vítimas e suas famílias. A 1ª Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral a Brumadinho é um destes eventos já programados para o dia 25 de janeiro de 2020.
O que mudou depois da aprovação da Lei 23.291, de 2019, que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais
A ambientalista Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) e integrante do coletivo que idealizou e está na coordenação do Janeiro Marrom, alerta sobre a possibilidade real de novos rompimentos de barragens em Minas Gerais, apesar da lei aprovada em 2019. “Em relação ao que ocorreu depois do rompimento em Brumadinho, mesmo com a Lei 23.291 que foi resultado do Projeto de Iniciativa Popular Mar de Lama Nunca Mais e do empenho da sociedade civil organizada, a verdade, infelizmente e inacreditavelmente, é que para o setor, para as autoridades, para o governo, é como se nada tivesse acontecido. É como se não tivessem morrido 272 pessoas em Brumadinho - lembrando que dois bebês morreram junto de suas mães grávidas - porque nós temos assistido o Estado pautar reiteradamente projetos minerários onde tem barragens.
Governo de Minas Gerais e mineradora não respeitam a Lei 23.291
Maria Teresa Corujo explica que no dia 20 de dezembro de 2019, em reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental que durou doze horas ininterruptas, foi concedida Licença de Operação para um alteamento da barragem da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG). “A barragem vai ter quase 300 milhões de metros cúbicos de rejeito e ainda existem comunidades na chamada Zona de Autossalvamento (que nós chamamos de Zona de Alto Risco de Morte), o que a Lei, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, veda expressamente. Apesar disso, o Governo de Minas Gerais preparou um parecer jurídico favorável da Advocacia Geral e um parecer técnico que também foi favorável e não acatou uma recomendação do Ministério Público Estadual. Apesar de todos os apelos, de todos os questionamentos técnicos e jurídicos, inclusive por parte do Ministério Público, dez dos doze conselheiros votaram a favor da licença à revelia da Lei 23.291 de 2019. Então, a verdade nua e crua - e, por isso, a campanha quer alertar a população - é que, para nossas autoridades e para as empresas de mineração, nem a magnitude da tragédia causada pelo crime da Vale em Brumadinho que ceifou 272 vidas humanas e mais um rio não foi capaz de fazer com que realizem o que tem que ser feito e mudem o que precisa ser mudado para não termos novas tragédias”, denuncia a ambientalista.
Outras situações que apresentam risco por causa das barragens
Maria Teresa explica que o cenário de possibilidades de novos rompimentos é muito real pela forma como a questão vem sendo tratada. “Não se vê por parte das autoridades uma ação eficaz para a prevenção. Temos regiões como Itabira e o Alto Rio das Velhas, Paracatu e alguns territórios em MG que têm barragens com uma quantidade enorme de pessoas no entorno, como Itabira que tem cerca de 10 mil pessoas na Zona de Autossalvamento das 17 barragens de rejeito da Vale naquele município. No Alto Rio das Velhas, há mais de 50 barragens de rejeitos que, se romperem, descem pelo Rio das Velhas e inviabilizam o abastecimento de água de mais de dois milhões de pessoas”, explica a ambientalista.
A situação é caótica com centenas de bombas-relógio
“Nós estamos realmente com centenas de bombas-relógio que não estão sendo devidamente tratadas por quem deveria fazer isso por ter a competência para isso. Não aceitamos que as soluções dadas sejam, por exemplo, treinar pessoas para se autossalvar enquanto, na realidade, se permite que a mineração continue operando estas barragens ou continue colocando rejeito nestas barragens ou mesmo ampliando seus complexos minerários onde estas barragens estão incluídas”, denuncia Maria Teresa Corujo.
As soluções para as barragens não são eficazes em relação aos riscos
“Não aceitamos também que as soluções sejam sirenes, placas de rotas de fuga, placas de ponto de encontro, mas mantendo o status quo da mineração poder continuar como se nada tivesse acontecido. Entendemos que as soluções para as barragens teriam que envolver estratégias ligadas à engenharia e não aos interesses minerários de aproveitar o que tem naquelas barragens. Estamos realmente diante de um impasse gravíssimo porque é possível sim que a gente testemunhe novas situações de risco e de rompimento. Mas, independente disso, o que já está acontecendo em decorrência das mortes, do terrorismo de barragens, do sofrimento e adoecimento nas comunidades e da quantidade de pessoas que estão debaixo de barragens é de uma proporção gigantesca, cruel e nós não podemos aceitar”, na opinião da ambientalista.
Só a fiscalização não resolve o problema dos empreendimentos minerários
Para Maria Teresa, é preciso que as autoridades reforcem a fiscalização mas é preciso ir além. “Eles precisam entender que não é só uma mera questão de fiscalização. Não adianta nada ficar fiscalizando as que estão nos territórios se continuam licenciando “a rodo” empreendimentos onde estão barragens, que nós chamamos de um cartório de conceder licenças para a mineração independente de qualquer coisa”.
O que fazer para conseguir mudanças no cenário atual
“O que nós temos que fazer contra isso é ampliar a conscientização da população sobre a mineração e trazer à tona a verdade dessa atividade extrativista. Ela é quase como uma caixa-preta porque o setor vai blindando e vai construindo estratégias de marketing para que a população seja enganada. A partir do momento que a maior parte da população conhecer o que nós, ambientalistas, já sabemos há anos, o que as comunidades do entorno da mineração já vivenciam há anos, o sofrimento e o impacto, nós vamos ter uma grande pressão social para colocar contra a parede essas autoridades e ver se realmente elas fazem o que tem que ser feito. É vergonhoso, cruel e violento que a gente continue testemunhando o que se vem testemunhando em Minas Gerais” desabafa.
O terrorismo de barragem e os alertas que não funcionam como deveriam
No dia 3 de janeiro de 2020, sirenes tocaram em Conceição do Mato Dentro, onde foi dada a licença de operação para o alteamento da barragem. Teca explica que segundo os moradores a mineradora Anglo American não apareceu nas comunidades na Zona de Autossalvamento. “Apareceu a Defesa Civil que disse que a empresa não sabia porque a sirene tocou mas que a barragem está segura. E quem quiser não ficar ali por não se sentir seguro que saia. Ou seja, é surreal que uma situação como esta, que pode matar mais pessoas e mais rios, esteja sendo tratada com tanta irresponsabilidade e sem qualquer eficácia para garantir que não ocorram novas tragédias”, segundo Maria Teresa Corujo.
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